Missões de Curto Prazo:
Solução ou Aventura?
Alexandre (nome fictício) era um jovem entusiasmado. Tinha muita convicção de seu chamado missionário. Era viciado em tóxicos e Jesus o libertou. Dois anos depois da conversão já estava numa escola de missões se preparando para o campo missionário. Seis meses de curso e ele seguiu para a obra de ganhar o mundo para Cristo. Não faltava alegria e expectativa e até uma estrutura razoável de suporte a seu trabalho. Ano e meio depois dava tristeza falar com ele. Tornara-se irônico quanto ao ministério e cético quanto à missões. Voltara ao Brasil e estava desorientado em relação a seu futuro. Era mais uma vítima do novo paradigma de missões de curto prazo.
A experiência de Alexandre não é única e nem isolada. Infelizmente tem se repetido com inquietante regularidade. Conheço casos extremos como o de um jovem missionário que se converteu ao islamismo e de outro que se suicidou. A questão que se coloca é séria. O Brasil é hoje um dos países que mais envia missionários e as organizações missionárias parecem se inclinar para os projetos de curto prazo. Criou-se a idéia de que missões de curto prazo é o novo paradigma e a solução. Será assim mesmo? Quais as vantagens e desvantagens desse tipo de missões? O que podemos fazer para minimizar os riscos e maximizar as oportunidades?
MISSÕES DE CURTO PRAZO:
A SOLUÇÃO
Os defensores desse tipo de projeto tendem a apresentá-lo como o paradigma que permitirá o alcance do mundo para Jesus. Tirando os exageros próprios dos mais exaltados, a visão de curto prazo tem hoje muitos adeptos e tem sido implementada pela maioria das organizações missionárias. Quando falamos de missões de curto prazo estamos falando de projetos que podem levar de 6 meses a 4 anos. Nesses projetos o missionário se compromete antecipadamente por um período definido e não há a idéia de uma carreira missionária. Pensemos então no potencial de tais projetos e seus pontos positivos:
Compromisso
Na mentalidade pós-moderna é muito difícil se conseguir compromissos de longo prazo. Os jovens querem ter opções, e a idéia entregar a vida inteira a um projeto é algo difícil de ser aceito pela maioria. Com o advento dos projetos de curto prazo foi possível recrutar todo um exercito de jovens que dificilmente aceitariam um desafio de missões para a vida, mas que estão dispostos a dar alguns meses ou mesmo anos de sua vida para a obra de missões. Mesmo as organizações missionárias mais conservadoras se viram na obrigação de abrir projetos desse tipo para não perderem a onda dominante.
Treinamento
O treinamento e experiência exigidos a um candidato para missões de longo prazo são um obstáculo para os mais apressados. Normalmente se exige curso teológico e algum tipo de prática pastoral. Com os projetos de curto prazo venceu-se essa dificuldade na medida em que as próprias organizações missionárias dão um treinamento aos jovens que em regra não passa de um ano e em alguns passos é de apenas 3 meses. Isso encurtou bastante o tempo entre vocação missionária e envio para o campo permitindo que o vocacionado mantenha o primeiro amor por missões e o sonho de ser benção no campo.
Custo
Um dos maiores atrativos dos projetos de curto prazo é a promessa de menor custo. Uma família missionária custa caro. Só o envio para o campo de 4 ou 5 elementos de uma família com sua bagagem , já representa despesa alta. A imagem do jovem apaixonado por Jesus que vai com a Bíblia na mão e a mochila nas costas, além de aliciar a juventude, agrada a tesouraria das organizações de missões. O custo do envio é menor, a instalação é bem mais barata (afinal só vai ficar um período curto) e o salário é bem mais baixo. Tudo isso é ideal inclusive para as igrejas que apóiam o missionário e podem fazê-lo por menor dinheiro.
Adaptação
Parece ponto pacifico que os jovens se adaptam mais facilmente e mais rapidamente que os adultos às culturas diversas. O jovem desperta menos resistência por parte da população hospedeira. Afinal, é apenas um jovem. Os mais novos rapidamente fazem amizades com os jovens e adolescentes locais através de lazer e da pratica de esportes que são um atrativo forte no mundo quase todo.
Feedback
As informações que retornam do campo missionário com um obreiro de curto prazo são mais rápidas que as de um missionário de carreira. O jovem tem mais tempo livre, tem mais conhecimento e hábito na utilização da tecnologia de comunicação como Internet, skipe, MSN e etc. o que leva a maior fluxo de noticias do campo. Além disso o missionário de curto prazo volta do campo mais cedo e desse modo os enviadores tem mais rapidamente a noção do que foi o trabalho e a experiência no campo missionário.
Tudo isso aliado ao impacto positivo que estes jovens tem normalmente na juventude das igrejas que visitam tornou o projeto de curto prazo quase obrigatório para as organizações que trabalham com missões. Pensando em tantas vantagens podemos nos entusiasmar e entender todo o investimento que esses projetos levantam. Mas a questão permanece. Será este o novo paradigma que vai mudar a história de missões? Para sermos realistas temos que pensar no outro lado da moeda e analisar as dificuldades inerentes aos projetos de curto prazo bem como verificar na prática a veracidade de suas apregoadas vantagens. Já temos tempo suficiente de projetos de curto prazo para entender como funcionam.
MISSÕES DE CURTO PRAZO:
A AVENTURA
Comecemos aqui por definir Missões. Estamos pensando na obra geral de alcançar os perdidos, mas, de modo particular, nas partes do mundo que realmente necessitam maior investimento missionário, a saber, o mundo muçulmano, hindu e budista onde o evangelho está menos difundido e a carência de pregação é maior. Muitos projetos de curto prazo visam estas regiões do mundo e temos que pensar nas particularidades de cultura, sociedade e história para entender como o projeto de curto prazo se dará nesse ambiente. Pensaremos também de modo breve nas vantagens apresentadas fazendo uma crítica às suas colocações:
Compromisso
A pouca exigência de compromisso neste tipo de ministério favorece o surgimento de candidatos menos sérios. Serão jovens com pouco tempo de vida cristã, sem maturidade espiritual. Alguns se apresentarão por falta de saída profissional ou por incapacidade de entrar em instituições de ensino superior. Já ouvimos de um candidato: " Deus não me ajudou a passar no vestibular, então deve ser porque quer que eu seja missionário". Muitos desses jovens irão com uma visão romântica de missões, uma percepção errada de que o trabalho missionário é a panacéia dos problemas da humanidade. Outros se apresentarão pelo puro exotismo da coisa, pela proposta de aventura e olharão para o projeto como um possível trampolim para outras paragens. Fica no ar a noção de que, se não der certo, sempre podem mudar de planos, escolher outro campo ou simplesmente voltar ao Brasil. Essa percepção retira da obra missionária uma de suas mais necessárias virtudes: a perseverança.
Treinamento
Regra geral o treinamento de projetos de curto prazo é bastante limitado sendo intenso demais, pequeno demais e com muita ênfase nos conhecimentos intelectuais e pouco na prática e no caráter. Sabendo das exigências do campo missionário mas tendo pouco tempo para a formação de obreiros, as organizações missionárias investem em cursos de intensidade exagerada, que dão um conteúdo que ultrapassa a capacidade de absorção dos jovens e que negligencia o aspecto espiritual e do caráter do obreiro. Como maturidade não se produz em microondas os resultados são muitas vezes jovens confusos, sem saber bem o que fazer com tanta informação, mas ainda longe da vida espiritual que seria necessária para a atuação no campo. A abordagem necessariamente superficial dos temas passa aos jovens a noção de terem estudado e aprendido muito quando na verdade nem sabem o valor ou a aplicabilidade da maior parte das coisas que ouviram.
Sustento
A questão do sustento menor nestas situações pode se tornar uma falsa vantagem. Por um lado porque pode se chegar a ponto do sustento precário que deixa o obreiro no limiar da necessidade. Por outro lado o engano existe porque os projetos em geral funcionam com grupos e a comparação não pode ser feita entre família missionária e o obreiro de curto prazo, mas entre família missionária e equipe de curto prazo e aí a tal vantagem diminui chegando mesmo a desaparecer. O envio, sustento e manutenção de uma equipe de 3 ou 4 jovens equivale e muitas vezes excede o de uma família missionária na maioria dos casos.
Adaptação
A suposta adaptação fácil dos jovens ao campo missionário é outra falácia da missão de curto prazo. A adaptação que se deseja e que se necessita em missões nunca será de curto prazo. Quando o missionário vai para outra cultura precisa de tempo para compreender a visão de outra religião, precisa aprender outras línguas e o ministério de curto prazo nega-lhe a possibilidade da adaptação realmente necessária.
Alguns meses ou mesmo 2 anos numa realidade transcultural é manifestamente pouco para quem precisa conhecer a cosmovisão do povo a alcançar. Nesse tempo o missionário só teve oportunidade de avançar um pouco na língua e de conhecer um pouco da cultura em seus aspectos mais superficiais.
O ministério missionário é um ministério de comunicação. A comunicação depende de um conhecimento o mais profundo possível dos interlocutores. Isso requer tempo, um tempo que não se pode apressar. Não é possível correr com o conhecimento de uma cultura, não é possível apressar o estabelecimento de confiança entre pessoas de raças diferentes e costumes por vezes opostos.
Parte significativa do sucesso de um missionário em situação transcultural está no papel que ele consegue ocupar nessa sociedade. O povo só ouvirá sua palavra quando ele ocupar uma posição que lhe dê status para pregar. O evangelho pede mudança de vida. Não é qualquer um que tem status para fazer essa reivindicação numa cultura. Ora, os missionários de curto prazo são jovens, na sua maioria moças, sem formação superior, solteiras e sem filhos e que avisam logo à chegada que vão ficar pouco tempo. Na maioria dos casos, esses jovens são enviados para culturas que valorizam os idosos, os homens, os casados e com filhos e os que tem boa formação. Como uma jovem solteira vai obter status para ministrar nesse contexto ainda por cima com o calendário na parede marcando os dias para o regresso à casa?
Não estamos aqui desvalorizando as jovens que se apresentam para missões. Devemos é ser honestos no entendimento de que temos pedido a missionários de curto prazo que façam o que não é possível nesse tipo de ministério. A adaptação necessária ao alcance de povos distantes culturalmente exige muito mais tempo do que temos dado a esses jovens. Eles merecem mais! Os povos a alcançar precisam de mais!
Feedback
A noção de que os missionários de curto prazo dão maior feedback que os missionários de carreira é também ilusória. É verdade que o de curto prazo mantêm maior contato com as bases até porque não chega a cortar o cordão umbilical. Temos visto jovens que passam o tempo na internet falando com o Brasil e nada tem para falar de seu trabalho porque não sobra tempo para fazê-lo. As noticias e relatórios no curto prazo serão na maioria dos casos superficiais ou então fictícios. O próprio missionário com pouco tempo para conhecer o povo não entende realmente o que está acontecendo e confunde muitas vezes as reações que vê nos evangelizados. Em um caso que conhecemos o jovem missionário escreveu que toda uma aldeia tinha aceitado a Jesus. Quando o obreiro de carreira chegou lá descobriu que o que o povo tinha dito é que concordavam todos com a construção de uma escola na localidade.
Precisamos de retorno dos campos até para poder interceder melhor e de modo especifico. Mas esse retorno tem que vir de missionários maduros que conhecem a realidade onde ministram e realmente alimentam os intercessores com fatos e realidades.
Conclusão
O que desejamos então? Acabar com as missões de curto prazo? O que estamos dizendo? Que todos esses obreiros tem sido um fiasco? Que seu trabalho não tem valor em missões? Evidentemente que não! O Senhor na sua misericórdia nos usa apesar de nossas limitações e faz maravilhas onde lhe apraz. ELE não se limita a nossas premissas e idéias. Dá-nos no entanto a capacidade para usar o raciocínio da melhor maneira. Deixamos então algumas sugestões para um melhor uso das missões de curto prazo:
Melhor Seleção
Devemos escolher melhor o candidato a missões. Valorizar a vocação missionária séria e aqueles que mostram disponibilidade para o trabalho local. Jovens entusiastas, mas que nada fazem em suas igrejas, já dão sinais de problemas no futuro. Devemos aproveitar todos esses voluntários que aparecem mas entender que nem todos estão em condições de ir para campos transculturais. Maturidade espiritual não se desenvolve à pressa. Uma seleção mais cuidadosa poderá poupar as missões, o campo e os próprios indivíduos de experiências traumáticas e que por vezes inutilizam um jovem com real potencial.
Melhor Treinamento
Temos que reconhecer que 6 meses a 1 ano de treinamento é muito pouco para jovens seguindo para ministração transcultural. É nosso dever dar a esses jovens maiores bases, mais tempo para amadurecer os conceitos e aprender as bases da missão. Precisamos inclusive de mais tempo para que a verdade sobre caráter e vida espiritual venha à tona. Um treinamento mais tranquilo e mais voltado para a vida com Deus nos dará obreiros mais preparados e menos susceptíveis.
Melhor Sustento
Não é por serem jovens e porque ficarão pouco tempo, que qualquer coisa serve. Os missionários precisam de condições para atuar e para manter a sua vida num nível aceitável. Grandes cortes orçamentais agradam os que fazem balancetes, mas prejudicam, por vezes, até a sobrevivência no campo e deixam o obreiro com gosto amargo na boca. Digno é o obreiro de um salário decente para viver sem a ansiedade do fim do mês.
Melhor Apoio
Missionários de curto prazo como todos os outros necessitam de apoio espiritual e pastoreio. Temos errado ao julgar que a oração de dedicação de vidas para o campo confere aos obreiros poderes sobrenaturais. Isso não é verdade. Missionário é gente, também sofre, também sente saudade, também chora, e erra e também desanima. Jovens em ministérios de curto prazo necessitam de pastoreio, de apoio em oração e de conversa. O contato com obreiros de mais experiência pode ser benção e pode evitar muitas crises maiores. Apoiemos nossos jovens e teremos menos dores de cabeça e mais gente sendo abençoada.
Maximização de esforços
Se o ministério transcultural exige trabalho de longo prazo e os ministérios de curto prazo não o podem dar, qual a solução? Formar equipes onde os obreiros de prazo limitado servem ao lado de missionários de carreira. Desse modo os resultados não se perdem, o trabalho tem continuidade e os mais jovens recebem e dão apoio aos mais experientes. Colocar obreiros de curto prazo em campos pioneiros trará muito mais dificuldades. Colocá-los junto a equipes de longo prazo vai maximizar esforços e resultados.
Há lugar para vários tipos de ministérios em missões assim como há lugar para vários tipos de dons e ministérios na igreja. Não foi nosso desejo neste artigo desvalorizar o trabalho de ninguém, apenas falar a verdade e recordar algumas situações que tem se repetido sem necessidade. Longe de desonrar aqueles que tem se apresentado para ministérios de curto prazo, nosso objetivo é protegê-los ajudá-los, dar-lhes condições para serem realmente benção. Vamos usar os recursos humanos que missões tem recebido, mas vamos usá-los da melhor maneira, de um modo sábio e proveitoso e para a Glória de Deus.
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